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sábado, 20 de novembro de 2010

Old school, sociologia da ação e limitações

Neste artigo vou falar de como as novas versões de RPG, incluindo a 4ª edição, limitam a imaginação dos jogadores e do mestre. Minha análise aqui vai por argumentos sociológicos, baseando-se também em minha experiência pessoal de jogador e mestre de jogo de D&D por mais de dez anos. Eu parto da idéia de que enquanto os jogos modernos são repletos de regras que tentam cobrir todas as situações possíveis na hora do jogo - exigindo mais tempo de aprendizado das regras e possivelmente travando o jogo, obrigando-os a fazer consultas monótonas na hora da partida - ao mesmo tempo eles ampliam o leque de opções na mente dos jogadores, “instigando” sua imaginação. Já os jogos antigos possuem menos regras e seriam muito mais rápidos e práticos do que os modernos, porém, por não apresentarem regras para cobrir todas as situações imagináveis durante um combate, por exemplo, limitariam a imaginação dos jogadores. Essas afirmações são verdadeiras, em parte.

Alguns grandes sociólogos modernos – como Bourdieu, por exemplo – acreditam que as opções possíveis de ação dos indivíduos são determinadas pelo meio social, ao ponto de existir inclusive uma reprodução – de geração a geração – de indivíduos com opções limitadas que os prende, por exemplo, à classe baixa, à empregos de baixa qualificação; ou, ao contrário, à classe alta, à empregos de nível elevado e altos salários. De forma geral, podemos afirmar que o filho do pobre não vê a opção de tornar-se um médico ou um professor universitário, simplesmente porque ele “imita” seus pais, o que deixa outras opções possíveis simplesmente invisíveis. Logo, a “culpa” de os pobres continuarem a serem pobres seria mais deles mesmos do que do “sistema capitalista”. Jessé Souza trata disso de forma excelente no livro “A ralé brasileira”. Bourdieu, quando fala do sistema de ensino, toca na mesma tecla, afirmando que o Estado determina a forma como as pessoas pensam por meio da Escola e de outras instituições estatais (Ver “Razões práticas”). O Estado legitima formas de pensar por meio de sua estrutura e forma de funcionamento. No RPG podemos usar o mesmo princípio. As regras de qualquer jogo determinam as formas de pensar durante a partida. É assim no futebol e também no xadrez. Cada um possui lógicas que determinam estratégias, ações e o comportamento de seus participantes.

Um jogo que não legitima, em suas regras, algumas ações possíveis, deixa essas mesmas ações invisíveis para aqueles que se orientam apenas pelas regras do jogo. Existem jogadores que – de fato – são bem criativos e atuam de forma livre no RPG, o que deixa o jogo bem mais divertido. Na minha opinião, essa é a maior e a principal característica do RPG. Algo que foge disso começa a descaracterizá-lo como tal. Em suma, no início (old school), o RPG era algo mais apropriado para pessoas naturalmente criativas. A diversão era condicionada ao nível de criatividade dos jogadores e aqueles pouco criativos geralmente viam poucos atrativos no RPG.

As novas versões de RPG (pós-D&D 3.0) tentam resolver esse problema. Agora você não precisa ser criativo: o jogo é por você. No entanto, as opções postas também limitam as ações dos jogadores àquelas abarcadas pelo sistema. Os jogadores pouco criativos continuam limitados, mas pelo menos suas opções de ação aumentaram e o RPG ficou mais divertido para eles. Portanto, o RPG tornou-se mais democrático. Quem tem pouca imaginação ou não gosta de imaginar pode jogar e divertir-se agora. O problema é que, ao colocar um número maior de opções de ação para os personagens, elas ainda são num número inevitavelmente limitado e, conseqüentemente, limitador. E isso pode levar àqueles jogadores e mestres criativos a ficarem a aprisionados naquelas opções abarcadas pelas regras, devido àquela lógica sociológica da qual chamei atenção. E isso é lamentável. O RPG clássico tinha pouquíssimas opções, exigindo dos jogadores e Mestres uma boa dose de criatividade para que o jogo fosse realmente divertido. Em suma é isso: antes o RPG era para poucos. Hoje é para muitos, mas a um custo: limitação na criatividade, nivelamento e padronização das formas de jogar, das formas de pensar e agir, no melhor sentido sociológico.

Por exemplo, o mesmo grupo que jogou comigo há treze anos, e eram muito criativos, estava, lamentavelmente, consultando demoradamente suas fichas de personagens antes de cada ação num combate, procurando e analisando as várias opções de poderes que dispunham, na 4ª edição do D&D. É outra forma de jogar: mais lenta, mais travada. Tendenciosamente mais limitada, mas divertida do seu jeito. Na minha opinião é mais um jogo de estratégia do que um RPG. Na verdade, parece mais um RPG de videogame do que um RPG de verdade.

Ao contrário dos RPGs de videogame, o bom do RPG de verdade é a liberdade de ação. No RPG de verdade qualquer um pode tentar fazer coisas que não são permitidas num jogo de videogame. E por mais que as regras dos RPGs modernos não impeçam os jogadores de fazerem qualquer coisa que lhes venha à cabeça, as próprias regras, sua estrutura e forma de funcionamento limitam o pensamento dos jogadores, como eu mesmo vi na minha mesa de jogo.

Foi a percepção dessa realidade limitadora nos RPGs modernos que fez com que surgisse um retorno ao estilo Old School, que defende justamente a forma livre de jogar, algo que depende mais dos jogadores em si do que do sistema de regras.

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