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quarta-feira, 13 de abril de 2011

D&D 4: Combates vívidos e mais realistas; ou: Deixando o jogo mais old school

Todo mundo sabe que o D&D 4 tem sua força nos combates. Eles são muito ricos, com os poderes bem diversificados e tudo o mais. Mas às vezes a natureza predominantemente tática do combate pode fazer os jogadores e o mestre esquecerem do que realmente está acontecendo no mundo de jogo. Assim, o encontro tem grandes riscos de se tornar um simples jogo de rebolar dados na mesa e reduzir ou aumentar números na ficha dos personagens e monstros, além de mexer nas miniaturas como num bom xadrez. É comum os jogadores, quando chegam no turno deles, simplesmente jogar o dado e dizer que retirou tantos pontos de vida do inimigo. Na minha opinião, não há sentido em combates assim. Muitas vezes o combate se passa e os jogadores não sabem ao certo o que seus colegas realmente fizeram. Sabem apenas se ele tirou dano ou não do monstro.

Isso pode frustrar alguém que espera sentir-se dentro do combate, visualizando tudo o que está ocorrendo. Mas as próprias regras da 4ª edição apontam timidamente uma solução para isso, pois em todos os poderes há uma descrição do que se passa no mundo de jogo (às vezes é uma descrição fraca, mas já é um começo), mas muitos jogadores acabam esquecendo disso e só querem saber da mecânica dos poderes, como se a descrição não tivesse nenhuma importância real. De fato, descrever o poder não é muito útil para o jogador que quer vencer o combate, afinal esse é o objetivo de um combate, não é mesmo? O que derrota, mata ou afugenta o monstro é a mecânica e não a descrição da ação ou poder.

Portanto, se o grupo quiser deixar um combate da 4ª edição menos gamista e mais vívido, imersivo e realista, permitindo que a imaginação deles vá além do que a mecânica de seus poderes permite e valorizem a descrição das ações e poderes, é necessária uma pequena mudança de paradigma no seu estilo de jogo. E antes que alguém venha dizer que a 4ª edição não é para mim, como já aconteceu nos comentários deste blog, digo-lhes que não abro mão da riqueza de opções que o combate da 4ª edição nos proporciona, mas devemos reconhecer uma mudança em suas regras de combate caso desejamos algo mais coerente, realista e vívido.

Sem tabuleiro
Se você não usar a matriz de combate a mecânica dos poderes se torna secundária em relação à descrições dos mesmos, que se tornam mais necessárias para se saber o que está acontecendo. Para se movimentar o jogador tem que declarar isso no lugar de mexer sua miniatura. Para lançar uma magia de área ele descreve onde pretende lançar a tal magia. Ele precisa dizer em qual monstro ele está atacando no lugar de colocar a miniatura do lado e jogar os dados. Não usar a matriz de combate pode deixar as coisas um pouco confusas, mas se você deixar os poderes mais flexíveis, coisa que veremos em breve, isso não chega a ser um problema. Além do mais, a matriz de combate fornece uma visão bidimensional aérea quase onipresente do que ocorre no combate. E nenhum personagem tem, no mundo de jogo, uma visão desse tipo. Os magos não tem como calcular exatamente onde suas magias irão surgir em relação aos outros combatentes, já que num combate tudo é confuso e as pessoas ficam se esquivando e se movimentando a todo instante (veja esse video pra comprovar que é difícil saber exatamente onde seus companheiros estarão. E veja esse outro video pra ver como ninguém fica parado mesmo durante um combate). Em suma, a matriz de combate proporciona informações que nenhum personagem, de fato, possui.

Essa minha dica não exclui a totalmente o uso de acessório visual na hora do combate. Eu aconselho o desenho, sem muitos detalhes, de um mapa do local do combate, mas não use papel quadriculado. Apenas diga o tamanho aproximado do local em metros, como se fazia antigamente. E quando perguntarem a distância em que o monstro está, dê uma distância aproximada também: "Ele está uns 8 ou 10 metros de você". Ou, para ficar mais vago ainda: "Ele está a uns 8 ou 10 passos de você", apenas para ele imaginar melhor a cena.

Poderes flexíveis e coerentes
Sem a matriz de combate, a exatidão da mecânica dos poderes não existe mais, mas elas devem ser consideradas ainda assim. Nesse caso, os poderes devem ser mais flexíveis e a descrição do que eles realmente fazem deve ser priorizada. Nem sempre a magia bola de fogo vai ser do mesmo tamanho e nem sempre você vai precisar realmente saber do tamanho exato dela. Haverá riscos de ela atingir seus amigos caso você use contra o ogro, pois seus amigos estão lutando corpo a corpo com o monstro. O mesmo pode ocorrer com os tiros à distância. Além do mais, tem algo muito errado com a verossimilhança desses poderes; e algo deve ser feito. Veja a descrição da Bola de Fogo:

Bola de Fogo (Ataque de Mago 5)
"Um globo de fogo alaranjado borbulha na sua mão. Você o arremessa nos inimigos e ele explode com o impacto."
Sucesso: 3d6 + modificador de Inteligência de dano flamejante.
Amigos, é esperado que o fogo queime coisas, mas segundo a mecânica da Bola de Fogo, ela não faz isso. Ela causa dano, e só. Não queima nada! A mesma coisa ocorre com a magia Explosão de Fogo. Tem coisa mais absurda que isso? Até onde sei, fogo queima qualquer coisa inflamável. Mas aí você escolhe entre jogar "D&D videogame" ou "D&D RPG". Alguém vai dizer que alterar os poderes pode desequilibrar o jogo. Mas eu prefiro o risco do desequilíbrio do que a certeza da incoerência, o que pode atrapalhar a diversão em alguns casos e ainda impede o uso dos poderes de forma inteligente. Por exemplo, se o mago quiser provocar um incêndio na torre da feiticeira maligna com a magia Bola de Fogo (coisa que mataria vários dos seus capangas), ele pode ser facilmente impedido pela mecânica do próprio poder. Se alguma coisa está desequilibrada aqui acho que é a cabeça de quem impõe essas limitações absurdas à criatividade dos jogadores e do mestre. Portanto, os poderes devem ser flexibilizados e, em alguns casos, corrigidos, dependendo da situação. A Bola de Fogo, além de causar dano, deveria ter um risco óbvio de queimar os pobres coitados alvos da magia, que certamente levarão dano contínuo até conseguirem apagar as chamas.

Outra coisa semelhante são outras magias flamejantes que causam dano contínuo, como Chamas de Flegetonte (Ataque de Bruxo 1). Será que se eu me jogar dentro d´água eu paro de levar dano contínuo? Segundo as regras, não. Então, mesmo que eu esteja dentro de um lago, continuarei levando o dano (hein?!). Isso ocorre porque no D&D 4 você não pode ter imaginação, pois a imaginação pode desequilibrar a mecânica do jogo e isso é uma coisa terrível de se acontecer... Pula que partiu! Fala sério! E tem mais: na descrição das Chamas de Flegetonte está algo óbvio que não tem na descrição da Bola de Fogo: o fogo queima... Mas o pior é que isso é lembrado apenas para justificar o dano contínuo desse poder... Quanta incoerência! Desculpem-me, amigos, mas nos meus jogos o fogo queima e ponto final, independente da mecânica que as regras ditam.

Se você usar a lógica, a inteligência, a coerência e enfim, se usarmos o bom senso, alguns poderes da 4ª edição terão seus efeitos e mecânicas modificadas conforme a descrição desse poder e a situação em que são lançados. Em muitos casos eles certamente serão inúteis, como lançar bola de fogo dentro d´água. Em outros casos seus efeitos serão ampliados, como um poder elétrico jogado dentro do lago, coisa que causaria dano em todos que estivessem no tal lago.

Portanto, uma forma de deixar as descrições mais relevantes e até mais estratégicas é ser mais realista e considerar o que elas dizem. Lembre-se de que a descrição dos poderes não deveria ser apenas um enfeite, ou uma maquiagem da mecânica dos poderes, mas sim o contrário.


Eu abordei apenas um aspecto da flexibilização. Eu usei a flexibilização situacional mediante o uso da coerência. Mas o mestre pode permitir que, com base na descrição do poder, o efeito dele se altere um pouco conforme a vontade do personagem. Por exemplo: no cenário Gamma World a principal origem do meu personagem é Controlador de Gravidade, sendo que ele é de primeiro nível e só tem um poder relacionado a isso chamado Pulso Gravitacional. A mecânica do poder faz com que o alvo leve dano e fique lento. E só. Mas a minha imaginação me diz que com um poder desses eu posso tentar fazer qualquer coisa com base no meu controle de gravidade além de matar alguém. Porque eu não posso tentar usar esse poder, por exemplo, para inverter a gravidade e aprisionar um inimigo no teto? Ou tentar levitar? Lembrei agora do velho AD&D, que nos lembrava de que num RPG seu personagem pode tentar fazer tudo o que quiser dentro de suas possibilidades. Se ele vai conseguir é outra história: cabe ao mestre determinar as dificuldades de se tentar fazer algo. Isso deixa o jogo imprevisível e incita a imaginação de todos, o que - pelo que me lembro - era muito satisfatório.

Ou seja, se as descrições das ações num combate permitirem que os objetivos dos jogadores sejam alcançados com mais facilidade do que simplesmente jogando os dados e usando a regra padrão do poder, os jogadores certamente verão a importância disso e se preocuparão em descrever as ações e seus poderes com mais cuidado na próxima vez.

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