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sexta-feira, 15 de abril de 2011

D&D 4 pode ser Old School sim!

Calma, leitor. Não sou ingênuo ao ponto de pensar que a experiência de jogar D&D Clássico ou AD&D pode ser a mesma de jogar D&D 4ª edição, mas acredito que descobri como essa nova edição pode recuperar características perdidas com as mudanças drásticas ocorridas ao longo dos anos; e que aquele velho estilo de diversão pode emergir de um jogo que foi feito para ser mais parecido com um wargame ou mesmo um “videogame de papel”, como muitos dizem por aí.

No meu último post, desenvolvi sugestões para deixar os combates no D&D 4 mais vívidos e realistas, mas ainda não tinha experimentado o que havia proposto. Porém, isso foi resolvido na última sessão em que jogamos. Na ocasião, eu apliquei as sugestões e agora retorno para vocês os resultados delas na prática. Ainda não recebi um retorno de todos os jogadores, mas na minha opinião foi muito gratificante jogar D&D 4 com o espírito do velho AD&D, no qual as regras são apenas orientações para o mestre e os jogadores se divertirem:

Regras demais retardam o jogo (levando embora a verdadeira aventura) e restringem a imaginação. Quanta diversão existe em dizer a um jogador – cujo personagem está prestes a tentar um feito espetacular e heróico – algo como “Você não pode fazer isso porque é contra as regras”? (Livro do Mestre de Advanced Dungeons & Dragons, p. 72)
Se você ler meu último post verá que minhas sugestões foram baseadas nessa atitude em relação às regras e à valorização da imaginação e da diversão, mesmo sendo num sistema rígido e equilibrado como o D&D 4.

Por exemplo, na última sessão eu conduzi todo o jogo sem usar a matriz de combate, o que agilizou as lutas, pois evitou a perda de tempo com contagens de quadrados e suas limitações exatistas. A matriz ou grid de combate se tornou mais dispensável pois adotei a flexibilização - tanto do deslocamento dos personagens quanto da mecânica dos poderes - dando prioridade à descrição do que um poder realmente faz no mundo de jogo, mais do que à exatidão de sua mecânica.

Também considerei que os efeitos dos poderes podem variar dependendo da situação em que são usados e da forma como os jogadores querem usá-los. Assim, a imaginação não fica restringida pelas regras; e a criatividade e a inteligência dos jogadores atingem um novo patamar, deixando as cenas do jogo bem mais interessantes; algo que, na minha opinião, aumenta a diversão, e muito. E eu percebi isso na última sessão. Por exemplo, foi bem legal quando Hudini pensou em fazer uma ponte de gelo para cruzar um abismo usando a magia Nuvem Congelante. Pelas regras ele não poderia ter feito nada disso, mas lembrem-se que “os jogadores devem ter a oportunidade de tentar qualquer coisa que queiram fazer – especialmente se isso for somar com o espírito de aventura e emoção. Apenas tenha em mente que há uma boa diferença entre tentar e conseguir.(Livro do Mestre de AD&D)”. Esse é o espírito da liberdade criativa e o papel do mestre é determinar a dificuldade e as conseqüências dessas tentativas.

Outra coisa interessante que ocorreu na sessão foi que a ausência da matriz de combate incentivou a imaginação de tudo o que estava acontecendo nas lutas, de forma que aquele velho problema de lembrar de aplicar efeitos de condições e danos contínuos – algo que levou várias empresas a desenvolver softwares apenas para gerenciá-los – foi resolvido de forma não intencional e natural com o velho poder da mente. Ou seja, um combate vívido mostrou-se mais divertido e tão eficaz quanto um software de gerenciamento de combate!

Talvez isso se explique pelo fato de, por exemplo, ser mais eficiente – e gratificante – descrever como a magia Raios Gélidos congelou as pernas de um monstro no chão, do que simplesmente declarar o dano, dizer que o bicho ficou imobilizado e jogar uma argola colorida em cima da miniatura ou realizar uns quatro cliques no seu software.


Nem sempre a argola colorida ou o cartão de condição garantem a diversão ou o funcionamento pleno das regras. E um software gerenciador de combates só é bom se você gosta de trabalho de secretário durante o RPG. Ficar clicando direto durante o jogo não parece muito divertido. E eu sei o quanto é cansativo.

Se o mestre imaginar a reação do monstro e compartilhar um pouco disso com os jogadores (algo natural num RPG), a condição por si mesma é esquecida e o óbvio toma conta do resto. Não é preciso se lembrar da condição imobilizado quando é óbvio que alguém que está preso ao chão por uma grossa camada de gelo não pode sair dali. A imaginação e a lógica fazem seu trabalho. Quando se valoriza mais a narração, o óbvio substitui as condições per se. E quando o efeito de uma condição é esquecido, isso se deu talvez por que o efeito era irrelevante para o que estava acontecendo no mundo de jogo (a coerência superou as regras) ou os jogadores e o mestre não imaginaram devidamente o que estava acontecendo.

As miniaturas são bonitas, mas elas nunca vão representar um combate de forma realista, afinal elas estão paradas - coisa incompatível com a verdadeira emoção de uma luta - e acredito que, por mais que se tente usar miniaturas enquanto se imagina a si próprio dentro do mundo de jogo, as miniaturas e a matriz de combate são tão bonitinhas que em um minuto a descrição do mestre sobre o cenário logo é esquecida e adeus imersão, adeus combate vívido. Ou seja, a visão das miniaturas e do grid substituem de forma pobre o que realmente está acontecendo. Lembrei que algo assim ocorreu comigo: descrevi um clima tempestuoso durante uma batalha. Mas eu usei miniaturas sobre um mapa de uma bela floresta durante o dia. Depois de 1 minuto de batalha todos – inclusive eu – esqueceram da tempestade e o combate se passava num belo dia ensolarado numa floresta cheia de passarinhos ao redor. É por isso que eu só gosto de usar matriz de combate quando ela representa fielmente o que eu descrevi para aquele combate.

Além disso, a matriz de combate, junto com as regras da 4ª edição, direcionam os indivíduos para o wargame: o uso estratégico e rígido das regras de combate. Sei que direcionar não é obrigar, mas geralmente é isso o que ocorre. A preocupação do jogador com as regras, que são de ordem tática, podem destruir a imersão no mundo de jogo – já que a imaginação nesse caso se torna irrelevante - e junto com ela se vai também a liberdade de imaginação e parte da diversão de tipo único que caracteriza o RPG de mesa, que é uma diversão que implica no uso estratégico e inteligente, ou simplesmente divertido e engraçado, dos elementos do mundo de jogo – o qual é criado tanto pelos jogadores quanto pelo mestre – para se atingir diversos objetivos, e não uma estratégia orientada pela combinação das regras per se.

No último jogo, quando eu esquecia algum detalhe, os jogadores me lembravam e tudo corria bem. Nessas horas a matriz poderia facilitar a lembrança – ou fiscalização – desses detalhes, mas o ganho em diversão e liberdade de imaginação superou o problema. Sobre isso é bom ressaltar que deve existir uma relação de confiança entre os jogadores e o mestre, já que ninguém está querendo ganhar de ninguém, ou pelo menos não deveria querer. Pra quem busca diversão baseada em competição não deveria jogar RPG. Existem inúmeros outros tipos de jogos em que a competição é muito bem vinda e até mais divertida. Esse não é o caso do RPG, ou não deveria ser, apesar de um pouco de competição sempre acabar existindo, mas de maneira controlada e saudável. Lembre-se: o objetivo do RPG não é ganhar. É a diversão. E as regras devem ser usadas apenas para garantir essa diversão, e não divertir-se com as próprias regras

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