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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Valorizando as Descrições num Combate; ou Lembrando do Óbvio

Muitos mestres se chateiam porque seus jogadores não gostam de descrever as suas ações em combate. É o estilo "acertei, errei". Todos sabem que o ideal é a descrição do que os personagens estão fazendo, mas muitas vezes o que se vê é uma mera rolagem de dados e aplicação de cálculos orientados exclusivamente pela estratégia da mecânica de jogo. Mas a culpa disso não é desses mestres, muito menos dos jogadores, e sim do sistema. O quê? Como assim?! Explico.

Mesmo que em muitos jogos existam orientações para que a narração vívida do combate seja usada, em pouco tempo essa narração se mostra inútl (ou no mínimo boba) já que muitas vezes as consequências práticas e mecânicas independem da descrição em si. Ou seja, as regras do próprio jogo desvalorizam as descrições em benefício da mecânica. E isso pode ocorrer até em jogos old school, claro.

No fim, as descrições não interferem no resultado prático do combate; e isso é bem claro no funcionamento dos poderes do Dungeons & Dragons 4, onde a descrição é apenas um enfeite para sua mecânica:
"O texto descritivo vai auxiliá-lo a compreender o que acontece quando o personagem utiliza um poder e como é possível descrevê-lo quando é ativado. Você pode alterar essa descrição como quiser para que ela se encaixe na sua idéia de como o ataque deveria se manifestar. (Livro do Jogador de D&D, p. 55)"
Ou seja, podemos alterar o que realmente ocorre no mundo de jogo, mas não sua mecânica, e seu efeito prático. Isso implica que a tal descrição é nula; e não importa se o poder descreva uma "chuva de fogo sobre o inimigo", essa chuva não provocará incêndios, nem transformará o alvo numa tocha ambulante caso a mecânica do poder não inclua isso no efeito.

É por isso que chamam o D&D 4 de videogame de papel, pois suas regras e mecânicas são rígidas e muitos poderes possuem mecânica inverossímil em relação ao que ocorre no mundo de jogo; e os efeitos "visuais" de seus poderes são meramente "gráficos", semelhante àquelas belas magias de Warcraft ou Final Fantasy. Pior é que as regras do próprio jogo coloca obstáculos para deixar as coisas mais realistas e, consequentemente, valorizar as descrições do que realmente está acontecendo. Duvida? Continue lendo.

O Livro do Jogador afirma que uma mão de gelo pode ser conjurada sem qualquer problema numa caverna vulcânica. Isso ocorre pois as regras dizem que nem as conjurações nem as zonas podem ser atacadas ou afetadas por qualquer força ou fenômeno ambiental, exceto quando a habilidade do poder explique o contrário. É claro que não há qualquer lógica nisso e tal medida é meramente gamista, sem preocupações com um mínimo de realismo.

Assim, sem uma razão plausível, uma mão gigante de gelo não pode ser sequer atingida. Se você conjurar uma Esfera Flamejante debaixo d´água ela não se apagará, nem causará menos dano por isso. Em suma, fogo não queima, mas também é imune à água; e um bloco de gelo é intocável. Entenderam o que quero dizer? Já que as descrições dos poderes não tem importância no mundo de jogo, sua ênfase e interpretação é desencorajada pois é como se aquela descrição não se manifestasse no mundo de jogo.

É assim no D&D 4. Talvez você encontre semelhanças com alguns jogos e eu acredito que os jogadores não gostam de descrever as ações e magias devido a essa inutilidade das descrições diante do objetivo de vencer o combate, pois as regras valorizam apenas a mecânica.

Racionalidade dos jogadores
Em suma, os jogadores são racionais e práticos e procuram a forma mais eficaz de terminar o combate vitoriosos. Se as regras do jogo não valorizam as descrições, não podemos culpá-los por isso, mas se quisermos que as coisas sejam diferentes, devemos alterar a lógica do jogo e valorizar as descrições em detrimento da mecânica. É preciso deixar a mecânica flexível, condicionada às consequências óbvias e coerentes das descrições das ações, magias e poderes.

Então, chegamos à seguinte conclusão:
  • Se os jogadores perceberem que as coisas que acontecem a todo instante no mundo de jogo influenciam drasticamente na mecânica e alteram suas chances de vencer o combate, eles ficarão bem interessados em saber o que está acontecendo e, racionalmente, se preocuparão em detalhar melhor o que seus personagens estão fazendo.
Perceba que a conclusão acima pode ser aplicada em qualquer RPG. Então, a dica é: valorize mais as descrições das ações do que a mecânica padronizada que essas ações apresenta.


Descrições úteis e efeitos realistas
Sendo assim, uma forma de deixar as descrições mais valorizadas num combate é considerá-las ao ponto de aplicar mecanicamente todos os efeitos realistas que essa descrição provocaria. Ou seja, a descrição do poder e as formas como ela interage com o mundo de jogo deve ser mais considerada do que sua própria mecânica. Não esqueça a mecânica, mas saiba que ela pode ser modificada conforme a situação. Vejamos os exemplos óbvios e interessantes abaixo, os quais você pode aplicar no D&D 4:

  1. Fogo queima: Se um poder fazer explodir uma bola de fogo não diga apenas que os alvos na área levaram dano. Faça testes para saber se suas roupas queimaram também e, em caso positivo, aplique dano contínuo 5(TR encerra), por exemplo. E os obrigue a andar com restos de roupa queimada pelo corpo até comprarem outras. Faça o mesmo para qualquer coisa inflamável na área. Se um cigarro pode incendiar uma casa por que uma Bola de Fogo não pode?
  2. Água congela: Se alguém lançar uma magia congelante de área dentro da água há grandes chances de essa área transformar-se num bloco de gelo. Blocos de gelo flutuam e podem servir como boas pontes ou para deixar monstros aprisionados em seu interior. Mas se água for quente igual a daqui de Mossoró, isso fica meio difícil de ocorrer.
  3. Água interage com fogo: Lançar uma Esfera Flamejante debaixo d´água é possível, mas não espere que seus efeitos sejam os mesmos. Aplique penalidades sérias no ataque e no dano, por exemplo. Mas ela pode ser usada pra ferver essa água com a magia, provocando vapores na área e dando ocultação pra galera. Contrariando as regras, permita que essa conjuração seja atacada de alguma forma para deixar as coisas mais interessantes. Fogo, por si só, não é sólido, mas uma Tempestade de Gelo(nível 9) tem boas chances de apagar a Esfera Flamejante (nível 1) pois é uma magia mais poderosa.
  4. Gelo é sólido: O Aperto Gélido de Bigby conjura uma mão gigante de gelo. Como já disse, as regras não permitem que essa mão seja atacada. Mas, se gelo é sólido, por que meu anão guerreiro não poderia tentar espatifá-la com seu machado? Isso não quer dizer que ele vá conseguir, mas tentar pode.
  5. Eletricidade na água: Até onde sei, água é uma boa condutora de eletricidade. Um relâmpago lançado numa poça d´água tem seu poder maximizado, atingindo todos na poça, e não só três pessoas, como está no efeito do poder.
  6. Conflito de magias I: Essa aconteceu no nosso jogo. Um personagem lançou uma magia contra um monstro que o aprisionava ao chão com correntes de energia mágica. Na mesma rodada, outro personagem lançou no mesmo monstro uma magia cuja descrição o fazia levitar. Logo, determinei que a segunda magia forçou as correntes de energia e as desintegrou, libertando o monstro!
  7. Conflito de magias II: Outro caso "verídico". Uma magia congelou as pernas do monstro no chão. Logo em seguida, usaram uma Explosão de Fogo no mesmo monstro. O gelo que prendia as pernas do monstro foi destruído parcialmente pela explosão de fogo, o que permitiu o monstro escapar na hora.
Entenderam? A descrição de uma magia ou poder pode interagir coerentemente com o mundo de jogo e afetar drasticamente a mecânica das regras de forma perfeitamente plausível. A descrição torna-se palpável e influente na mecânica, o que chamará a atenção dos jogadores para elas. As magias estão realmente lá. Fogo é fogo. Gelo é gelo. Porrada é porrada; e não mero texto dispensável. É triste, mas temos que lembrar do óbvio.

Outra coisa legal: perceberam o conflito entre magias e ataques? As regras não permitem, mas isso deixa as coisas mais reais e enriquecem o combate.

Lembre-se de que antes de aplicar esse novo jeito de jogar é bom avisar aos jogadores, para que eles não sejam pegos de surpresa. Isso é necessário quando se está muito acostumado a jogar apenas com base na mecânica.

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